domingo, 25 de fevereiro de 2018

Lastimável trânsito nosso de cada dia


      Estava querendo escrever esse texto há um bom tempo, é tanta barbeiragem que presenciei desde a ideia inicial que é difícil escolher entre elas para citar. Em partes reforçarei alguns exemplos que aponto no meu texto Pedestres e ciclistas multados: piada pronta e covarde. Não obstante, o tema aqui é outro. Em todo caso, serei breve. Não focarei no padrão sobre esse assunto, isto é, no número enorme de mortes e acidentes graves no trânsito caótico que temos Brasil afora, nesta ocasião, basta dizer que sempre estamos bem acima da média mundial nesse quesito. Meu foco será nas “pequenas” merdas diárias, até porque elas revelam o porquê dessa natureza grotesca, que acaba com tantas vidas.

      É difícil encontrar uma expressão que defina nosso trânsito, mas guerra de todos contra todos é um bom caminho. O pior aqui, a meu ver, é o fato de que as pessoas tratam absurdos como normal, por exemplo, preferência do pedestre só se vê no conto de fadas chamado autoescola e olhe lá. Por falar nisso, aqui a autoescola não é vista como um lugar que se aprende a dirigir, mas um lugar de calvário, onde se deve decorar umas “bobagens” para enganar o instrutor/avaliador na hora do exame.

       Sério, é impossível sair às ruas de, no meu caso, Belo Horizonte, sem ver várias infrações, sem passar raiva, seja você quem for no trânsito. E nessa seara eu normalmente represento o grupo mais prejudicado: os ciclistas. Aqui veículos automotores não aceitam dividir espaço com uma bicicleta, por 10 metros que seja eles te fecham e jogam o carro em cima, teve um imbecil que me fechou uma vez, na Av. Afonso Pena, que tem várias faixas, para ficar parado no sinal logo à frente. Outra, um mané, de madrugada, com uma lata velha que não pagava as rodas da minha bike, ficou buzinando atrás de mim como louco, sendo que bastava ele trocar de faixa para me ultrapassar, se sentindo ultrajado por haver uma bike utilizando a faixa – por fim, quando desistiu e me ultrapassou pela outra faixa, além de passar raspando, saiu me xingando de tudo. Os próprios motoqueiros, que em matéria de resistência a impacto não estão muito longe de uma bike, não respeitam a presença delas, uma vez um fez questão de passar raspando em mim, quase provocou um acidente, todo puto com eu nem sei o quê, a não ser o fato de eu estar descendo a rua no meio da faixa, como qualquer veículo faria. E na única vez que me envolvi em um acidente, o moleque que estava no volante, saindo do acostamento (ele achou que eu não existia), jogou o carro na minha frente, para pegar a contramão – se ele tivesse “só” jogado na frente do nada e fosse ao menos na mão, o acidente não teria ocorrido; machuquei pouco por ter percebido e preparado para a batida, cortei um pouco os dedos e bati a coxa no retrovisor do infeliz, se não fosse isso poderia não estar aqui agora. O cara assumiu a culpa e ficou de pagar; resumindo a história, ele enrolou até eu ter que entrar na justiça. Na audiência o Jênio chegou a dizer na tentativa de se justificar, pasmem: “ele estava andando de bicicleta na rua”. Sério! Até a juíza ficou olhando para a cara dele como se aquele ser fosse um macaco fugido do circo ou coisa que o valha. Mas a verdade é que ele representa a mentalidade (se é que esses lunáticos têm mente) de inúmeros condutores, que acham que bicicleta só pode no passeio ou na praça, ou sei lá, voando por aí. Evidentemente ganhei a causa, e o babaca teve ainda a petulância de tentar descontar o valor do retrovisor no acordo, acreditam nisso?! Pois é, situações como essas são enfrentadas todos os dias por ciclistas, é o famoso "bate e corre" que temos que aguentar. O desrespeito é total e completo, a própria ciclovia é usada como calçada por pedestres e acostamento para alguns carros e motos.

      Mas a loucura não atinge só aos ciclistas, como eu disse, todos sofrem. É um querer tirar vantagem em tudo que chega a ser inacreditável. E essa atitude é pura ignorância, o imbecil não tem capacidade de abstração, não consegue olhar para o todo e perceber que ele furar um sinal da vida é só uma “vantagem” aparente, que o prejudicará logo à frente, que atrapalhará outros veículos e pedestres, que provocará o ódio, de tal forma que o pseudo ganho de tempo se torna atraso e conflito. Sempre que você vê um carro parado avacalhando um cruzamento qualquer é porque não parou no sinal amarelo, que por sua vez, na prática contraria a teoria, para quase todos significa “acelere mais”. Isso quando não avançam o sinal vermelho na cara dura – só não fazem com mais frequência para não bater com outros carros, quando não tem carros no cruzamento é impressionante como não dão a mínima para o pedestre, até onde há sinal de pedestres. [Nem precisa dizer que quando o sinal de pedestre começa a piscar, quando há pedestres exigindo seu direito (a maioria sai correndo, por questão de sobrevivência, claro), as motos já saem cortando as pessoas e os carros jogando em cima]. Vale lembrar que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) diz que o pedestre e o ciclista tem preferência sobre os automotores mesmo quando o sinal estiver verde (Art. 38, 58 e 214), que não se pode passar ou ultrapassar bicicleta sem manter distância lateral de 1 metro e 50 centímetros (Art. 201), e que ameaçar o pedestre ou o ciclista com o carro é infração gravíssima (Art. 170). E depois ainda reclamam do trânsito, esses sujeitos não estão habilitados nem para andar de velotrol!

      E a propósito, a PMerda não faz nada, fingem que não é com eles, ainda mais se não houver denúncia formal. Já vi vários absurdos acontecerem debaixo da barda dos steve e nada, inclusive uma Kombi suspeita andando na contramão, paralela a uma viatura, e eles como se estivessem no mundo dos ursinhos carinhosos. Eu não estive fora do país ainda, mas pelo que a gente vê nos países de primeiro mundo, a coisa é tão diferente (mesmo quando tem problemas), ao ponto de ser inimaginável um carro parado em cima da faixa de pedestres com a polícia ao lado – cena que aqui é cotidiana. Som alto no carro, já parou para pensar que loucura, que abuso? Mas aqui pode tudo. Uma vez tinha um trator em plena Praça Sete, colocando todos em risco, correndo como um louco, avacalhando o trânsito em todos os sentidos e ainda sem placa, fui avisar os fardados que estavam fingindo de égua dentro da viatura, eles disseram que não podem fazer nada, retorqui, “o cara talvez nem seja habilitado, o trator se quer tem placa!”, ele simplesmente me disse para reclamar na prefeitura e foi saindo. E por falar na prefeitura – que evidentemente não tinha nada o que fazer no caso narrado –, e no governo em geral, via de regra não realizam os reparos mínimos (o que dirá construir novas vias, passarelas, calçadas e etc), aqui um simples semáforo de pedestre chega a ficar estragado um ano. 

      Em uma dessas milhares de insanidades, uma vez havia uma velhinha com uma criança, na faixa de pedestre, querendo atravessar a rua, para chegar a uma praça, não era na área central, mas um bairro, ela estava há uns cinco minutos com a criança nos braços e ninguém parando! Levantei de onde estava, e não acreditando naquilo, fui atravessando na cara dura, parei no meio da rua e a chamei, e nem assim todos carros e motos pararam. Uma outra que ilustrou o caos instalado de forma plena: eu, vindo na rua de bike, paro na faixa para uma senhora atravessar, ela olha para mim e fica imóvel, eu faço um sinal com a cabeça, em seguida falo: "pode ir", no que ela responde: "não posso, é perigoso o carro atrás querer passar por cima de você", insisto, os carros atrás começam a buzinar, ela não se move, eu pedalo e sigo caminho. Triste, mas ela tem razão, de fato corri esse risco, se nos seus automotores envoltos de aço não respeitam o pedestre na faixa, porque respeitariam um ciclista que não desrespeita o pedestre, né? É surreal. Em uma palavra, o outro não existe. E o cara não percebe que ele é pedestre assim que sai do carro. O problema começa quando existe uma cultura que coloca o sujeito dentro de um carro como alguém melhor, o cara com a lata velha mesmo que menciono acima, ele se achava um verdadeiro transformer dono da rua e puto por ter uma “mera” bike usando o lugar que ele pensa ser dele. Aqui no atropelamento eles culpam é a vítima! Mas enfim, como eu disse no começo, os exemplos vão ao infinito, seta mesmo, uma coisa que ajuda tanto a todos ao redor do maldito carro, basta o jumento apertar um botão, mas o cara não dá a maldita seta. Direção defensiva então é algo que é perigoso eles perguntarem se é de comer. Distância mínima entre um carro e outro é piada pronta. As filas para entrar em uma rua, os caras jogam na frente de outros carros, e saem como se não tivessem feito nada, vi uma vez um esperto de cú (que é rola!), com a família toda no carro, a fila da direita enorme para entrar na rua seguinte (daquelas que são só para uma faixa), ele chegar na maior cara de pau na faixa do meio e jogar o carro na frente de todos, sem o menor pudor, quase subindo na mureta, o que parecia ser a mãe e as filhas dele estavam no carro, do nível que você não acredita. E isso é toda hora, ainda mais se o carro do energúmeno for grande.

      Não precisamos ser como um Japão ou como uma Suíça (até lá teríamos que nascer de novo como nação), mas aqui não tem o respeito básico, mínimo para se ter um trânsito, o que temos aqui é um ensaio de trânsito, também conhecido como filme de terror coletivo. Dá inveja dos países de primeiro mundo. Um cara que usa carro aqui se sente humilhado ao ter que eventualmente pegar um transporte público, movido desde sempre por esse sonho alienado de se ter um automóvel, jamais vai perceber que o primeiro é a solução para a mobilidade, sobretudo nas grandes cidades. Penso também que boa parte dessa animalidade é fruto de falta de escolaridade, de instrução básica mesmo. Mas não só, é algo enraizado na cultura imbecil do trânsito brasileiro. Hoje mesmo, uma madame passou o carro no sinal fechado, e eu esperando para atravessar, ela olhando para a frente, com o nariz empinado, como se eu, pedestre, fosse um lixo que deve ficar calado, pegando o boi dela não passar por cima – isto é, se eu não ousar atravessar antes dela passar. O que me assusta é que é o tempo todo, talvez nem te chame mais atenção, por estar tão acostumado com o absurdo, como minha mãe mesmo, que teme os carros como foguetes mortais, sempre, e se vira ou pára aceitando os mais diversos ultrajes (que em última instância não dá para ser muito diferente, afinal, o cara está colocando o para-choque e você sua perna, de forma que eu vou até certo ponto, evidentemente). Carros em cima do passeio aqui é algo tão comum como cadeiras de bar bloqueando a calçada. Saindo de suas garagens então, os caras estão cagando para os pedestres, pode ser mulher grávida, deficiente físico, idoso, criança, que eles não estão nem aí, vão jogando de fininho em cima (quando não saem voando), e nas raras vezes que param de "bom grado", acham que estão fazendo um grande favor ao invés de cumprindo uma obrigação, de tal forma que ficam putos se você não agradecer em submissão, e passar correndo, claro. Desrespeitar o pare, ultrapassagens não permitidas, parados em fila dupla, em lugar "proibido" então, inusitado é quando cumprem a regra! Um amigo meu dos EUA me disse que ele quase foi atropelado algumas vezes quando chegou aqui, ele ficava de boca aberta ao ver como não existia preferência do pedestre em lugar algum, nem em lugares fechados, nem nas faixas. E ainda o vampiro que usurpou o poder quer cobrar MULTA de pedestres e ciclistas. VÁ ARRUMAR O CAOS NO TRÂNSITO DOS AUTOMOTORES ANTES DE ABRIR ESSA TUMBA PARA FEDER! [Link do meu texto sobre isso no primeiro parágrafo] #ForaTemer

      É lamentável cara, e ainda boa parte da galera quer andar armada. Ia ter morte o tempo todo, pois tem hora que dá vontade de matar o/a filha da puta mesmo, viu! Tente sair da cauterização e experimente contar quantas infrações de trânsito você vai se deparar na próxima vez que sair para o trabalho, escola ou qualquer outro lugar – comece pelas infrações gravíssimas segundo o CTB, motociclistas que não usam a viseira (Art. 244) e motoristas com o celular na mão (Art. 252). E se você é um desses “espertões de cú”, se oriente, desgrude a cara do seu mundinho e comece a perceber que prejudicar os outros é prejudicar a si mesmo! E não me venha com o “faço porque os outros fazem”, a irracionalidade não se justifica por isso, ser um babaca não é ganho para ninguém. Agora, para aqueles animais incorrigíveis, incapazes de perceber que de forma geral eles só perdem, que não fazem ideia do que seja ética, sem dúvidas é preciso punições pesadas, mas em um país onde o sujeito mata no trânsito e não dá nada, é mais lucro acreditar no Papai Noel, lastimavelmente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário