sábado, 10 de fevereiro de 2018

Debate sobre Tiffany do vôlei e transexuais no esporte

A. V.: Tiffany, aquela mulher* trans da liga de vôlei, tá quebrando todos os recordes, batendo maior média de pontos, superando campeãs olímpicas e tendo um desempenho espetacular na liga feminina. Mas ninguém vai falar nada, né? Senão é transfobia. E não vale perder a carteirinha de inclusivo esclarecidão por causa de mulheres sendo rechaçadas, não é mesmo?


EU, MOISÉS: A questão é complexa. Pode ter muitos em cima do muro por essa razão que vc aponta, não nego, mas a verdade é que não se trata de algo de simples resposta, afinal, o que se fará com atletas trans, os excluir do esporte? Não é uma opção aceitável, claro. Isso só reforçaria a visão deturpada de que são "monstros" sem lugar na sociedade. Existem estudos que mostram que com um ano de supressão da testosterona a pessoa tem perdas musculares e ósseas extremamente relevantes (não altura, o que em alguns esportes pode ser mais problemático), isso hoje é aplicado, a terapia hormonal tem sido exigida pelos comitês esportivos. Muitas atletas produzem mais testosterona que a maioria, inclusive mais do que as trans em terapia hormonal, mas essas não são obrigadas a competir com homens. Enfim, justiça de competição plena não existe, cada pessoa tem uma genética que pode ajudar ou atrapalhar, a depender do esporte. Mas dentro do possível, tendo em vista que excluir trans não é uma opção válida (nem mesmo criar uma categoria específica, pois não haveria competidores suficientes, além de reforçar mais uma vez o preconceito), mesmo sendo polêmico exigir hormonioterapia de alguém, é um caminho que aponta para a melhor solução.


A. V.: Que crie uma liga trans! Mas que o preço de incluir mulheres trans* não seja o de apagar mulheres fêmeas. Além disso, não há homens trans competindo na masculina por motivos óbvios.

Eu vi recentemente um estudo na página "Hormônio não é brinquedo", com link na Scielo, com um dos maiores especialistas na área, dizendo que uma puberdade a base de testosterona jamais seria revertida.

Têm atletas mulheres que já foram impedidas de jogar na liga feminina por terem níveis elevados de testosterona devido a anormalidades hormonais. E testosterona é considerado doping em mulheres, aliás.

Criar uma categoria específica não é apenas segregar embasado em preconceito. É manter o espaço de mulheres fêmeas que foi tão duramente conquistado. Por esses recordes absurdos dá para ver que mulheres vão estar na desvantagem ao competir com mulher trans*! É uma resposta prática.

Dizer que é a melhor solução visto tais dados que são comprovados por uma busca simples no Google do desempenho da Tiffany, me faz crer que pode ser melhor pra quem quer que seja, menos para as mulheres fêmeas.


I. B.: Vejam o vídeo do depoimento da Tandara. (https://www.youtube.com/watch?v=4hqeQuDPTJY)


L. F. T.: A pergunta é: se antes eram categorias ~reconhecidas~ homem e mulher, e agora ~reconhece-se~ um novo espectro, as pessoas trans(seja homem ou mulher trans), porque simplesmente enfiar na categoria feminina? Por que uma terceira categoria seria reforçar ainda mais um pré-conceito? Porque homens trans não participam, no esporte de alto rendimento, da categoria masculina?

Não existe resposta simples mesmo. Agora, dizer que devemos aglutinar dois grupos diferentes numa mesma categoria, pq é “menos pior”, é ridículo. Dentro da luta das mulheres, espaços exclusivos para elas foram importantes durante sua luta, o que tem diminuído cada vez mais. A meu ver, só colocar pessoas trans para competirem na categoria feminina é um apagamento de ambos os lados!
Deixa-se de lado o que diz respeito às mulheres, deixa-se também de lado o que diz respeito às mulheres trans.. os dois são apagados para que caibam na mesma categoria de “mulher”(que no fundo não ajuda e nem serve a nenhum dos dois lados). Ou seja, só enfiar as pessoas trans no espaço de um grupo de pessoas que sempre foi e é marginalizado, semelhante a própria situação das pessoas trans, não resolve. É deixar de novo nos homens quietinhos lá, e continuar colocando na conta das mulheres, que elas se virem pra lá com seus problemas.

E a última pergunta: se não há resposta fácil, pq em menos de dois anos que o transativismo e o feminismo liberal trouxeram essa questão para o senso comum, já se estão tomando medidas legais e jurídicas como essa do vôlei? Por que essa “velocidade relâmpago”? Se é complicado assim, não tem motivo nenhum pra correr.


EU, MOISÉS: Então, primeiramente, o que levantamos aqui, por si só, já mostra como a questão não é simples. Cada um tem sua opinião sobre o tema, mas segue alguns erros de princípios que desencadearam argumentações:

1- “Não existe homens trans em modalidades masculinas de alto rendimento”. Não é verdade, pesquise Transgender people in sports que na própria Wikipédia já aparece vários nomes.

2- “Criar liga trans”. Eu já havia dito, mas talvez passou batido, eu não disse que tal não deve ocorrer por ter como base o preconceito (embora na cabeça de muitas pessoas desinformadas ele aumentaria com tal). O ponto é: salvo se no futuro houver um número significativo de transexuais, como é, p. ex., o de deficientes físicos hoje, é simplesmente inviável falar de criação de liga própria; no UFC mesmo, a trans teria que lutar com ela mesma. Já que o ponto é a prática, seria simplesmente impraticável.

3- Tão somente as opiniões subjetivas de atletas são julgamentos que não devemos tomar como base para tratar dessa questão, como o que disse o Borrachinha (destilando ódio), ou a Tandara ("pisando em ovos"), obviamente não tem o rigor científico. A trans do UFC mesmo chegou a lutar com uma mulher que era muito mais forte do que ela. Logo, a “desvantagem” não é indiscutível, pelo contrário, existe um estudo sério sobre a questão, chama Race Times for Transgender Athletes, da pesquisadora Joanna Harper, a conclusão dele é que essa afirmativa para excluir trans é falaciosa.

4- “Testosterona nas mulheres é doping”. Os estudos recentes tem colocado em xeque o alto nível natural de testosterona e desempenho. E na prática, o caso da corredora Dutee Chand ficou como exemplo, ela ganhou na justiça permissão para competir na modalidade feminina, o que virou jurisprudência.

5- “Escolher o menos pior é ridículo”. Primeiramente, eu não disse isso, eu disse: é um caminho que aponta para a melhor solução. Mas, em todo caso, o que sugere? Escolhermos o “mais pior”?!

6- “Mulheres já são um grupo marginalizado”. Certamente. Mas usar esse argumento aqui me parece a típica falácia do espantalho, isto é, quando se ataca um outro problema ao invés daquele que está posto na mesa. Primeiramente, como eu disse acima, trans não estão só em modalidades esportivas femininas, erro que já refuta esse “argumento”. Mas enfim, qual seria a solução contra a “marginalização”? Marginalizar ainda mais a/o trans? No mínimo falta coerência nessa afirmativa.

7- “Se é complicado não tem motivo para correr”. Simplesmente não há consequência lógica nessa frase. Algo ser complexo não significa que uma resposta não seja urgente. Ademais, respostas concretas nesse campo vem com tentativa e erro, é mais adequado falarmos em melhorarmos as respostas que estão sendo dadas, tendo como base levantamentos e argumentos científicos, que virão mais robustos com o tempo.


A. V.: Moisés, eu pesquisei e não encontrei. Talvez aquele Chris do atletismo que nunca conquista nada.

Aí por não ter número suficiente a gente vai enfiar nas categorias existentes mesmo com todo esse debate sem resposta? Pq tem que incluir?

O que a Tandara disse é relevante, por mais que não tenha rigor científico. É visível o medo que ela tem de encarar a jogadora em quadra, e o que mulheres dizem sobre isso importa. Até pq se opiniões subjetivas não tem valor aqui, pra quê a gente tá discutindo sobre homens que se sentem mulheres, não é mesmo? Pq isso é bem subjetivo e sem comprovação científica nenhuma.

Moisés, vc consegue ver um atleta mediano no masculino virando história no feminino e dizer que não há vantagem? Pq aí haja má-fé. Tem pesquisas que dizem o oposto na Scielo! E aí? Vamo fazer como?

Colocar em xeque não é contestar. Além do que se vc acompanhar recordes de homens e mulheres em esportes iguais dá pra ver a diferença. Além de que biologicamente falando homens são mais fortes devido a oxigenação no sangue, desenvolvimento de ossos, membros, músculos, etc. Isso tá a rodo na internet e sites de pesquisas.

Me impressiona apenas como vc desconsidera a história das mulheres no esporte e o futuro temível que as espera nesse ponto.


EU, MOISÉS: Então, a Wikipédia cita vários nomes notáveis (https://en.wikipedia.org/wiki/Transgender_people_in_sports#Trans_men), ou seja, tem mais. Mas o ponto é que quaisquer argumentos que partem da premissa de que não existe trans nas modalidades masculinas já está equivocado e é, portanto, falacioso.

Veja, minha crítica ao subjetivismo é em relação a adotarmos políticas desse nível, que implicam em incluir ou excluir pessoas. Por isso é preciso argumentos sólidos.

Tem muito disso, mas a questão do desenvolvimento e prática esportiva é extremamente complexa, há fisiologistas que afirmam que a supressão da testosterona por mais de um ano deixa o corpo que foi construído com ela (masculino) em estado até mais frágil do que o não construído (feminino), pois o peso seria maior, já que não há o “combustível” para mantê-lo. O estudo da Harper vai nessa linha, mostrando por testes que os argumentos para vantagens reais não se sustentam.

Mas há que ter mais estudos, olhar cada esporte em particular, pois a altura, como eu disse, pode ser um fator desiquilibrador. Se se comprovado em um esporte específico, manter a trans no masculino, talvez. Tem que ter mais casos para se avaliar de forma cabal assim; há diversos fatores inclusos tb, por exemplo, uma mulher no Brasil que joga futebol com meninos, tende a ser melhor do que aquela que joga com meninas, pois na nossa cultura o futebol masculino tem nível mais alto (nos EUA seria o contrário), ter tido uma carreira no vôlei jogando contra homens pode ter a tornado uma melhor atleta, pela mesma razão, porque não considerar isso tb?

Minha argumentação não foi para mostrar que homens e mulheres são iguais para competir fisicamente, por favor. O ponto que levanto é primeiramente perguntar quais as opções, e não é uma opção excluir da vida esportiva as/os trans. Segundo, há estudos sérios que questionam por testes a vantagem de trans em hormonioterapia alegada por leigos. A recomendação do Comitê Olímpico Internacional é a dosagem de testosterona e no caso da Tiffany ela está até bem abaixo, pelo que li. Meu ponto é para mostrar que não é uma questão simples, tudo o que eu disse aqui demonstra o contrário, e que a consequência sem a devida reflexão pode ser excluir ainda mais quem já é excluído.

A questão é que o homem trans precisa aumentar o nível, digamos assim, para competir com homens, enquanto a mulher trans teria que, consequentemente, abaixar. Daí toda a polêmica, que soa de forma negativa aos ouvidos e ninguém pára para ver se tem fundamentos válidos. Não existe “má-fé”, realmente é preciso aguardar para não se tomar posições literalmente perigosas. Mas enfim, repito, as regras atuais, de forma geral, me parece ser o melhor caminho.


*Reprodução de debate em rede social.

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