sábado, 6 de dezembro de 2014

O mundo vendido da Pós-Graduação

     Já começo deixando bem claro para os desavisados em que a carapuça servir que não tem qualquer validade sua crítica ad hominem, não estou escrevendo esse texto por não ter passado, se quer tentei a pós-graduação. Falo com a abstração de não ser parte diretamente envolvida no processo, lamento se você estava pensando o contrário. Ressalvas à parte, vamos ao texto:

     Neste ano tive um contato mais próximo com alunos da pós, frequentei mais a UFMG à tarde, período em que são ministradas as aulas. Vi defesas de monografias de especialização, mestrado e doutorado, em várias áreas; conversei com uma galera nas filas de inscrição, sobre a seleção com professores, li projetos e tal. Em suma, aumentando a informação, fui me enojando cada vez mais pela academia, pelos seus processos burocráticos, suas politicagens e, sobretudo, pelo “puxasaquismo” crônico tão evidente ali!

     A academia está morta, não há mais espaço para projetos intelectuais, autônomos, tudo hoje é variação do mesmo tema, a saber, repetir pomposamente o que os outros disseram, floriando aqui, embromando ali, é proibido pensar! Não se fala o que pensa, viram capachos de professor, todo “pensamento” é limitado de início, é proibido ser criativo, inovar, usar vários autores, sintetizando: se fala apenas o que os avaliadores querem ouvir. É puxasaquismo antes, durante e depois – a meu ver, a última etapa é a mais vergonhosa, se trata de um teatro ridículo, não ocorre uma real avaliação e/ou debate de ideias em qualquer defesa, mas sim um protocolo cheio de formalidades, do tipo: por parte do discente: “muito obrigado pela sua crítica”, “admiro muito seu artigo x”, “seus livros me ajudaram muito para escrever o texto”, “é uma oportunidade maravilhosa poder ouvir sua leitura do meu texto”, “é muito bom ouvir um especialista como você”, etc. ; por parte do docente: “você cresceu muito, seu texto mostra uma maturidade exemplar”, “acho interessante você corrigir x e y, mas a sua maneira de ver também é válida”, “com certeza você poderia melhorar esse ponto”, “houve uma pequena falha aqui, mas o seu texto no todo é muito bom”, e terminam pedindo os gatos pingados presentes para bater palmas enquanto eles dão a nota final, que via de regra nunca é menos de 90.

     A falta de dignidade própria começa para muitos dos candidatos já nos primeiros períodos de graduação, conheci um sujeito que é o cúmulo disso esse ano, sinto vergonha alheia por ele, não vou citar o nome dele para poupá-lo, o chamarei aqui por Prostituto Acadêmico (P.A.): pois bem, o P.A. quando estava em aula ficava calado ou elogiava a professora, sempre concordando com tudo o que ela falava, nunca expôs uma ideia contrária – numa disciplina que houve bastantes discussões tensas durante o semestre; já quando o P.A. estava conosco fora de sala, ele sussurrava, isso mesmo, para nenhuma “parede” poder ouvi-lo, que concordava com a crítica de fulano, ou ciclano, mas preferiu ficar na dele, ou ainda falava mal daquela que ele endeusava na sua presença. Sim, para muitos a hipocrisia na relação orientador/orientando começa bem cedo. É tão “alienígena” a amizade ou mesmo a troca de ideias entre professor e aluno sem intenção na pós que quase todos se espantam quando afirmo que os professores que me são mais chegados não me orientam.

     Hoje só se busca títulos, lixos de diplomas para serem jogados na gaveta ou pendurados na parede para mentir todos os dias para o sujeito que os tem, muitas das vezes um mané tapado sem igual, fazendo-o acreditar que ele é melhor e mais inteligente que os outros. Conheço pessoas na pós-graduação que envergonham a Filosofia, que conhecem a história da filosofia ou os seus temas menos que um aluno do ensino médio, que não tem nem a capacidade de raciocínio lógico esperada, que não sabem argumentar, mas que jogam o jogo acadêmico relativamente bem, isto é, decoram uma coisa muito específica para repetirem como papagaios, ecoam respostas para os problemas que eles se quer pensaram, perguntaram ou entenderam.

     Rubem Alves faz uma analogia no livro “Ao professor com meu carinho”, citando a frase da Adélia Prado “Não quero faca nem queijo; quero é fome”, para mostrar que na educação atualmente falta exatamente isso, a fome, a vontade pelo saber. A seguir, ele vai falar que é papel do professor despertar essa fome, o que pode levar a princípio uma desvinculação imediata do tipo de ensino que se tem na pós, onde as pessoas, pelo menos em teoria, tem mais autonomia; mas não, o que mais tem na pós é alunos sem “fome”, apenas dançam conforme a música, marionetes que não questionam ou falam o que tem em mente, tudo para não bater de frente, ou mesmo contrariar minimamente um professor. Não discutem com o orientador (quase sempre pseudo-orientador), se convencem que o bonito é propagar o dito “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Desculpa, mas eu prefiro a frase de Che Guevara: “os grandes só parecem grandes porque estamos ajoelhados”!

     Ilusão pensar que é possível mudar o sistema acadêmico de dentro, ele é blindado, ou se curva ou se está fora, salvo raríssimas exceções – e mesmo essas não escapam da teatralidade da entrada e defesa final. Vi apenas uma defesa, de mestrado, em que o discente não se vendeu completamente ao sistema: sim, ele seguiu boa parte dos “protocolos” da teatralidade, porém, ao ser questionado por uma avaliadora sobre uma citação que ele supostamente não teria colocado na dissertação, fez questão de mostrar o contrário, apontando onde havia colocado, mesmo contra a opinião dela dizendo que ele não precisava procurar, ele insistiu, e ela surpresa e já irritada disse: “vai procurar e não vai achar, não está aí”; resumindo, ele achou em uma nota de rodapé e ela passou vergonha. Mais para frente essa mesma avaliadora quase o crucificou por ele questionar diretamente Hobbes (visto como um “papa infalível” para ela) sem ter por base algum comentador, ele não rendeu muito, disse que não teve o tempo de leitura que esperava, mas continuou afirmando que via tal falha em Hobbes independente de alguém ter dito ou não algo semelhante antes (o que deveria ser natural!). Foi o único autêntico que vi. Consequência: foi avaliado com nota baixa. O próprio orientador do sujeito, que estava na banca avaliadora, disse abertamente que sabia que ele tinha muita personalidade, mas que ali não era lugar para discutir isso (ora, se ali, no local feito para isso, não é, onde será?!). Certamente se ele tivesse abaixado a cabeça, dito que a professora tinha razão e agradecido sua "visão perspicaz", a nota teria sido outra.

     Se quisermos mudar essa palhaçada, a palavra é essa mesmo, palhaçada, para “desilhar” o conhecimento da filosofia dos campus universitários, devemos agir de fora. É muita grana que está sendo usada ali para a sociedade não ter o mínimo retorno! Universo de sorrisos falsos, elogios políticos, apresentações de pesquisa para inglês ver, colóquios, simpósios, jornadas e afins que na verdade só tem como objetivo fazer “contatos”, ou seja, angariar sacos para puxar; seria cômico se não fosse trágico! Não é por acaso que a figura do grande filósofo não existe mais, hoje se treina (anote isso: se treina) para produzir quantidade, não qualidade, praticamente a totalidade dos artigos são “déjà vu”, puros lixos com ares de saber. Não há surpresas, os aprovados para entrar são os esperados (até mesmo a colocação deles!), quase a totalidade das dissertações e das teses são apenas um bloco de baboseiras escritas e encadernadas no formato padrão, não merecem nem ser chamadas por tais nomes. [Quanto essa questão da colocação dos aprovados temos outro grande absurdo como consequência: as bolsas (hoje R$ 1.500,00 a 2.200,00) são distribuídas de acordo com a colocação geral, não se olha o nível socioeconômico, há bolsas sendo dadas a filhinhos de papai que gastam o valor dela numa festa da vida, enquanto outros sem bolsa deixam de cursar por não ter condições financeiras!].

     Houve um candidato em uma seleção para o mestrado que era daqueles prostitutos acadêmicos clássicos (fazia iniciação científica na graduação e corrigia até provas para o professor picareta que o orientava), na prova escrita, ao término, ele saiu chorando, dizendo que não tinha conseguido terminar a prova, cabisbaixo, falou com todas as letras: “já era”. O que aconteceu com ele? Imaginem. Passou com 90 pontos (razão das notas de todos os avaliadores) e estuda com bolsa! Esse foi um dos casos mais escandalosos, mas que é bem mais frequente do que se imagina, pelo seguinte motivo: as bancas são compostas por avaliadores de linhas diversas e distintas do departamento, se o avaliador de uma linha, digamos, por exemplo, Lógica, afirmar que o projeto de um candidato para a linha que ele trabalha é maravilhoso, como os outros (que normalmente não tem contato com outra linha desde a sua graduação) poderão dizer não ser o caso? Dessa forma, via de regra, seguirão o que o "especialista" disser, basicamente repetindo a nota dele (muitas das vezes eles nem leem de verdade os projetos das linhas que eles estão afastados – não é exagero duvidar que alguns ficam só no resumo). É o que explica esse prostituto acadêmico, que se quer terminou a prova escrita, ter sido aprovado. Pois, certamente o orientador dele – que fez o projeto junto com ele e tudo mais – o dará nota 100 na arguição. E no caso desse indivíduo em questão ainda teve mais, pois se todos os avaliadores o dessem uma nota fraca na prova escrita, nem assim ele teria sido aprovado, portanto, o orientador dele, que era um dos corretores, o deu nota 100. Alguém pode perguntar se o nome estava identificado na prova. Não, não estava. Solicitava apenas para colocar o CPF. Mas isso não anula essa hipótese, afinal, de duas, uma, para explicar o caso: ou o orientando dele sabia o CPF do mesmo; ou conhecia ao menos a letra do sujeito (o que é mais do que provável, tendo em vista que o menino foi pupilo dele durante todo o curso). Ora, nada mais explica um sujeito que se quer terminou a prova, que saiu dizendo literalmente que “já era”, ser não apenas aprovado, mas como estar entre os melhores colocados! Estou falando de um concurso extremamente complexo e concorrido, em tese, não terminar a prova escrita é estar eliminado.

     Com isso tudo, de forma geral, as aulas tem se tornado cada vez mais massantes, pois são raros os professores que incentivam o pensar ou o debate; salvo esses, os demais não aprenderam a aprender, não sabem o que é problematizar os temas, trazê-los para o cotidiano, só decoraram, é a única coisa que eles (não) sabem “ensinar” e cobrar nas suas provas, sempre ridículas e simples para quem se propõem a pensar junto com o autor – isto é, ao invés de engolir respostas prontas e enlatadas, entender a pergunta para começo de conversa, encarnar o que incomodou o pensador, compreender que se trata de um problema real, vivo; como diz Nietzsche no Crepúsculo dos Ídolos*, ao se ter seu porquê? se suporta quase qualquer como? –, onde tirar total ou zero não prova nada; esses mesmos idiotas treinam seus pupilos que serão os professores “universotários” do futuro, imbecis que deveriam saber ao menos o que é ser professor, o que realmente consiste a tarefa de ensinar, antes de pensar ser um – fato curioso: não é por acaso que a maioria deles corre da Licenciatura como o diabo da cruz. Se pudessem nem dariam aula, ficariam enfurnados em uma sala qualquer fazendo suas pesquisas inúteis que nunca sairão do meio, que nunca serão lidas, esses se esquecem de que no Brasil não se contrata pesquisadores, mas servidores (públicos) para ensinar.

     Detesto o Olavo de Carvalho, ele fala muita merda sobre política, fala coisas absurdas em apologia ao Catolicismo frente ao problema da existência de deus, parece não ter o conhecimento esperado de Biologia, Física, Geologia e etc., mas há algo que respeito nele, sua postura de oposição ao academicismo, a esse teatro que são as “aprovações” de Mestrado e Doutorado e ainda de concursos para professor universitário – no que diz respeito a concursos, temos um professor, que prefiro não citar o nome para evitar que o texto seja tirado do ar, vou chama-lo apenas de “Canseira”, que em matéria de didática perde para qualquer criança do ensino fundamental, que não sabe dar aula e muito menos avaliar, que tenta pegar qualquer cargo administrativo para diminuir a quantidade de aulas, e que nem tem experiência ou um currículo forte; explique-me como esse sujeito passa no “concorrido” concurso para professor universitário, onde já existem dois outros exatamente da mesma área (filósofo/pesquisa) atuando, enquanto há uma carência significativa em outras. No mínimo suspeito, certo? E isso porque eu ainda não mencionei que ele foi pupilo de outro professor muito forte e antigo no departamento, ora, para quem sabe ler, um pingo é letra! Voltando ao Olavo, ele nem mesmo chegou a graduar, mas o conhecimento dele da Filosofia é inegável, ele certamente não se rendeu ao puxasaquismo, não teve a mente atrofiada na torre de marfim acadêmica, repetindo coisas específicas para agradar orientadores, pensa por ele, certo ou errado (e muito errado a meu ver!), pensa de forma autônoma – hoje vemos especialistas em um só autor da filosofia, em um só livro, dando aula em nível superior sem saber dialogar minimamente com outros campos e áreas da própria filosofia, nada mais contraditório ao saber filosófico!

     Finalizo aqui, reitero que não nego as exceções, embora sejam extremamente raras – não obstante, na maioria das instituições só se entra pelo puxasaquismo mesmo. Se um dia eu seguir para a pós (se se permitir entrar pela “porta da frente”), serei uma delas, não cumprirei o protocolo, não colocarei professores em altares, não perderei minha dignidade, não jogarei esse jogo baixo, sujo e mesquinho de bajulação. Enfim, no cômputo final pós-graduação se resume a isto: bola esquerda = Mestrado ; bola direita = Doutorado, puxe, mame e seja “feliz” (entre aspas pois tal jamais é felicidade, claro, antes pelo contrário!).


*A referência da menção a Nietzsche se encontra em: Crepúsculo dos ídolos ou como se filosofa com o martelo. Capítulo “Sentenças e Setas”, § 12.

domingo, 2 de novembro de 2014

Mais polícia na rua?

Vocês também estão percebendo mais PMerdas nas ruas de BH?

Aqui no bairro Esplanada e região, onde raramente eram vistos, esses últimos dias eles estão desfilando em grupos até de seis! O mesmo ocorre no Centro, além da maior quantidade, vi alguns em lugares antes nunca visitados pela “segurança pública”, salvo quando iam filar um lanche ou cerveja.

Aquele clamor no mínimo irrefletido por “mais polícia na rua”, como se fosse a solução de todos os males sociais, infelizmente parece estar sendo implementado – não sei até quando, nem o (ir)responsável por tal ordem. O ponto é, não faz sentido mais repressão, enquanto houver um Estado e leis que favorecem a elite dominante!

Cena clássica que presenciei agora por esses novos PMerdas: vi eles dando bom dia e cumprimentando um empresário branco bem sucedido, depois os vejo colocando um garoto negro daquela forma brutal no famoso paredão. Ora, é só isso que vai acontecer mais com o aumento de uma polícia militarizada: discriminação, racismo e linchamento dos menos favorecidos.

Quando se faz um levantamento estatístico da população carcerária ou de quem é morto pela PMerda, sempre é o mesmo que observamos, a saber, a maioria vem da classe baixa, socialmente desprovida, sem escolaridade, sem capital cultural (legitimado), constituída na grande maioria por negros e pardos. Sendo assim, não há como negar que as pessoas em tais condições estão mais vulneráveis e/ou propícias a cometerem crimes – a verdade é que essas pessoas só “existem” nessa sociedade capitalista insana quando apontam uma arma. Não apenas por não terem suas necessidades supridas, nem qualquer esperança real, mas também devido à educação, ou melhor, falta de educação, que tiveram. Abro um parêntese aqui para deixar claro que não estou afirmando determinismo, penso que sempre cabe a nós escolher – basta ver casos de indivíduos na mesma condição social que age diferente um do outro, tem aos montes, sobretudo no que diz respeito a cometer crime hediondo –, mas não podemos negligenciar a influência inegável do meio.

Ficam ostentando armas, coturnos, algemas e cassetetes, se achando os donos do mundo, a maioria mal formados e despreparados, como sempre. Pagos com o nosso dinheiro para promover o constrangimento, p. ex., é normal ver pessoas pobres e humildes olhando para o chão quando passam perto deles, pessoas se calando, ou mesmo se retirando das praças públicas, quando eles chegam com aquele clima opressor gratuito. Qual a lógica de colocar mais polícia que não respeita a dignidade do cidadão?! Que julgam quais são as “pessoas de bem” (uma das expressões mais ridículas que já vi) de um lado e seus inimigos a serem eliminados do outro?

A esmagadora maioria dos problemas de segurança se resolve com educação, respeito à pessoa humana e, principalmente, distribuição de renda; em outras palavras, justiça e igualdade social. Só os nossos governantes que não veem isso, ou não querem ver, ou ainda são tão vendidos que não podem ver. No mais, precisamos de uma polícia que entenda o seu lugar como força executiva, não legislativa ou judiciária (hoje, aplicando inclusive pena de morte!), que trate todos da mesma forma, que entenda que a violência é um último recurso e tão somente justificado para contenção, jamais agressão, que não vingue ofensas, que não censure, que se coloque como servidor público, igual aos seus pares, isto é, como cidadão, não como exterminador dos pobres e oprimidos.  

Pelo fim da PMerda! Pelo fim da militarização! Passou da hora de termos uma polícia cidadã!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Adeus, tia Jacira

     Minha tia faleceu hoje, 07/09/2014, tia Jacira, uma pessoa amada e querida por todos aqueles que a conheceram. Ainda em lágrimas escrevo esse texto, não apenas para desabafar, mas para deixar uma profunda reflexão a todos.

     “Um dia você aprende que o tempo não é algo que se possa voltar atrás”, como todos nós, tive muitos arrependimentos e várias vezes quis voltar no tempo ao longo da minha vida, mas nunca essa passagem do Menestrel de Shakespeare tinha se manifestado de forma tão visceral em mim. Já perdi outras pessoas queridas, mas dessa vez a dor é maior, se junta à culpa, um peso que carregarei até o fim:

     Ela passou por duas cirurgias pesadas, tanto na primeira como na segunda ficou um bom tempo internada. Naquela velha correria inútil que nos suga a vida, não fui na primeira, só a vi quando ela voltou para casa, depois tivemos um almoço em família quando pudemos conversar mais e depois a vi de longe (foi a última vez), lembro que a cumprimentei dizendo: “recuperando aos pouquinhos, né tia?”, ela sorriu e respondeu que sim; na segunda internação, quando eu estava marcando o dia para ir visitá-la, ela teve alta pouco depois – de alguma forma inconsciente me sentia meio que “representado” por minha mãe, que passou várias noites com ela, o que é uma grande bobagem, pois cada um é cada um, só se pode representar a si mesmo. Aí vem o que mais me dói, que corrói só de lembrar: quando ela chegou pensei em visitá-la o quanto antes, mas achei melhor dar alguns dias, tenho muitos primos e tios que certamente estavam lá, e meu tio José Maria, marido dela – diga-se de passagem, uma pessoa forte que eu admiro e respeito muito –, falou comigo que ela estava melhorando, mas de forma quase automatizada, o que é normal quando se pergunta por alguém tão próximo que está doente. Enfim, fui adiando, tentando achar um tempo para ir lá em meio a minha agenda com os “problemas” do dia-a-dia. Depois tive um resfriado pesado. Outra vez, quando podia ter ido, meu pai ia junto, e como mal nos falamos não seria legal. Enfim, o tempo foi passando, passava sempre correndo pelo lote, olhando para casa dela esperando a ver na varanda, no portão, às vezes parava e pensava comigo, “puxa, não fui lá até hoje”, às vezes esquecia disperso em afazeres e planos, outra hora dizia convicto, tal dia eu vou, mas não fui, definitivamente não fui. Hoje, pensei de relance em ir lá, mas o dia passou e agora passou com ele a oportunidade: à noite, enquanto eu arrumava minhas coisas para o dia de amanhã, pedi uma pizza e ao pegá-la, recebi a triste notícia, minha tia havia falecido. [Meus olhos estão ardendo, a cabeça dói, amanhã volto a escrever...]

     A primeira reação foi de choque, de incredulidade, de embaraço, nem as lágrimas vinham, passei por várias pessoas e parentes, quando entrei no quarto dela, encontrei meus primos chorando ao lado da cama, a ficha caiu, não pude conter minhas lágrimas. Um remorso angustiante começou a entrar em mim, não havia mais tempo, não podia mais conversar com ela, mostrá-la com a minha simples presença o quando ela significava para mim, não ter ido lá, não a ter olhado nos olhos era como se eu tivesse dito o contrário; eu tive tempo, isso é o que mais machuca.

     Tia Jacira era uma pessoa admirável, boa filha (sim, minha avó ainda é viva, e elas sempre tiveram uma relação muito além de mãe e filha, mas de amigas, minha tia foi o primogênito, a única mulher, de cinco), boa esposa, boa mãe, boa costureira, boa cozinheira e boa tia. Ficaremos com a lembrança dos bons momentos que vivemos, escolhi destacar aqui apenas um, pois tenho certeza que mais ninguém sabe: quando criança, fugindo do meu pai, fui até à casa dela, precisava ganhar tempo; lá tem uma daquelas enciclopédias antigas da Barsa, que vez ou outra eu pegava emprestado para fazer trabalhos escolares, foi a primeira ideia que surgiu na minha cabeça, pedir um livro; cheguei com a cara de menino assustado, pedindo o livro para fazer trabalho, só tinha um detalhe, era final de Dezembro! Isso mesmo, esqueci que estávamos em plena férias e ela podia desconfiar, o que de fato aconteceu, ela me disse: “uai Moisés, mas você não está de férias?!”, eu nem lembro a desculpa que dei, só sei que foi a mais esfarrapada do mundo, mesmo assim, ela sorrindo fingiu de boba, foi lá com toda boa vontade e pegou para mim o livro, sabendo que eu o largaria em poucos minutos.

     Lembrando disso, vêm várias outras memórias de pessoas próximas que se foram, possivelmente ocorre o mesmo contigo que está lendo, mas aqui vou destacar brevemente apenas aquelas que cresci ao lado, no mesmo lote que vivia a tia Jacira. São duas: minha tia Maria do Carmo (que a gente chamava de tia Carma), uma pessoa fora de série, que vivia mais para os outros do que para si mesma, que batalhava para criar os filhos e literalmente todas as crianças ao seu redor, sempre com um belo sorriso no rosto; e meu avô, Floriano, que não sabia ler, mas que nos ensinou muitas lições, sobretudo com suas atitudes.

     Essa semana estive lendo justamente Sartre, filósofo que argumenta à exaustão como somos responsáveis pelos nossos atos e escolhas, como não há transferência de tal responsabilidade, como cabe a nós fazer projetos, significar no mundo, neste mundo, como é na ação que os outros nos conhecem, como é parar e agir com autenticidade ou simplesmente ir vivendo seus dias na “má-fé”, em outras palavras, em vez de tomar atitudes, ir tão somente se deixando levar. Sou agnóstico, e como o autor mencionado, também não coloco esperança em vida após a morte, não acredito em espírito, não acredito em deus, não vejo sentido para se agarrar em tais hipóteses. Mas quem não quer que seja de fato verdade, reencontrar com os entes queridos num lugar de paz? Todavia, a possibilidade de tal existir é uma possibilidade puramente lógica, isto é, da mesma forma que a princípio tudo é possível, nada mais, não há qualquer fundamento real para crermos nisso. Mesmo assim, similar àquela situação de dar um tiro no escuro, no vazio, disse em lágrimas umas palavras ao vento, não me justificando por ter deixado de visitá-la, mas a pedindo perdão. Sinceramente, não tenho esperanças de ela ter de algum modo me ouvido, não tenho fé (respeito quem tem motivos pessoais para tal), seja como for, nada vai mudar o que passou, assumo meu erro de não ter ido lá, é preciso encarar os fatos de frente, levarei comigo essa culpa; mas pude aprender com isso o quanto realmente somos frágeis e que mais do que nunca, “não devemos deixar para amanhã o que podemos fazer hoje”. Termino com mais uma bela passagem do Menestrel:

     “Descobre que as pessoas com que você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso, devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos.” (SHAKESPEARE, W.).

domingo, 1 de junho de 2014

BRT não Move!

1ª EXPERIÊNCIA:

Entro na estação em frente a UFMG, 17h38min, encontro funcionários mais perdidos do que cego em tiroteio, morcegando e etc., normal. Passo a roleta; os “4 minutos” para a chegada do ônibus escrito no painel eletrônico viraram quase 10. Embarco. Um ônibus sanfonado gigante, mas lotado como sempre, isso mesmo, literalmente pessoas esmagadas contra a porta. Penso: “pelo menos essa porra deve chegar mais rápido”, doce ilusão. Ele pára em todas as estações/pontos da Av. Antônio Carlos, mesmo que ninguém dê o sinal – não sei se nas estações tem alguma luz para avisar que tem gente para embarcar ou coisa do tipo, o fato é que ele parou em todas –, as paradas são relativamente demoradas, o que no final das contas atrasa bastante, não muda tanto para um ônibus que não esteja nos corredores específicos. Ele tem poucos pontos no Centro, mas inexplicavelmente roda bastante por lá. Em suma, cheguei 18h28min na área hospitalar, quase 1 hora dentro do “bonito” coletivo pra inglês ver, ou seja, não resolve absolutamente qualquer problema do trânsito! Sim, todo mundo sabia disso antes desse lixo ser feito, só o Lamerda não, ou melhor, não acreditamos em Papai Noel, fingia que não.

2ª EXPERIÊNCIA:

Pego outra linha, 5250, os funcionários da estação UFMG me disseram que ela tinha ponto no Centro, só que não...
Como na outra ocasião, porém mais cedo, demorou a beça na Av. Antônio Carlos, parando em todas as estações, estava cheio e novamente fui em pé junto à porta, mas quase dessa vez o filme do BRT foi queimado irremediavelmente no mundo inteiro.
O motorista estava acertando as portas do ônibus às da estação com bastante dificuldade. Em uma das estações, ao parar o ônibus e abrir as portas do mesmo para embarque, uma das portas paralelas da estação demorou a abrir, quando ela finalmente abriu e um homem foi entrar no ônibus, o motorista fechou a porta deste em cima dele, o prendendo nela, e começou a acelerar, o sujeito era forte, mesmo desequilibrado conseguiu se livrar a tempo e retornar com um salto para a plataforma da estação (imaginem se fosse uma senhora de idade ou uma criança!). Isso mesmo, ele perdeu o ônibus e por pouco não teríamos a notícia estampada no Super: “HOMEM MORRE ARRASTADO PELO BRT”.
Passado isso, só para registar (não fazer juízo de valor), entra um vendedor ambulante de balas e começa com aquele discurso de “sou ex-presidiário, ex-drogado, poderia estar roubando e matando, Jesuis te abençoa” e tal, pra você que gosta de balas, agora eles não precisam mais pedir o motorista para entrar, pagam uma passagem e atormentam com suas pregações à vontade, mas que se dane...
Bom, quando finalmente chego à área central, pergunto ao cobrador quais pontos havia no Centro, ele me disse que não sabia, então me dirigi ao motorista, fiz a mesma pergunta, e adivinha, este também me disse que não sabia! E o mais gritante, ele falou que era a primeira vez que estava dirigindo o BRT e que não teve qualquer treinamento, não sabia nem em qual rua entrar no Centro, O MOTORISTA CHEGOU A PERGUNTAR OS PASSAGEIROS ONDE ELE DEVERIA ENTRAR, sério! Aí um dos passageiros, olhando um folder, disse que não tinha ponto na área central, o mais próximo sendo na Rua Paracatú, o motorista sem saber para onde ir estava distanciando cada vez mais, pedi para ele abrir a porta pra mim, o que felizmente ele fez, desci em cima daqueles canteiros altos da Av. do Contorno, serviu como uma “plataforma” para aquelas portas sem degraus. Salve, salve Márcio Lamerda e cia!

Ps: aproveitando o post, na estação do metrô me informaram que havia integração do mesmo com o BRT, mentira, não funcionou.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Compartilho com vocês a experiência de ter dado aula na UFMG:

Na última terça-feira (08/04/2014) tive a oportunidade de lecionar em nível superior, para a turma do Direito, na disciplina "Introdução à Filosofia: Ética". Agradeço ao professor Joãosinho Beckenkamp por ter cedido sua aula e pelo companheirismo ao longo desses anos.

Foi uma experiência diferente, não importa quantas aulas você tenha assistido na universidade, estar no comando é outra coisa, conviver com a inevitável tensão: "se eu parar, a aula pára junto", além do cuidado para não dizer besteira, realmente não é fácil (sobretudo nos primeiros minutos).

Ser o foco da atenção de aproximadamente 50 alunos adultos, ou melhor, antes disso, conquistar de fato a atenção e despertar a curiosidade deles, exige muito esforço e concentração, quiçá mesmo dom. Certamente os alunos do Ensino Médio público que convivo são extremamente mais agitados, conquistar a atenção de todos eles é quase impossível, mas é bem diferente, por um lado, você não tem que ficar brigando com aluno pra parar de conversar e bagunçar, mas por outro, com todos ligados de início, a pressão é muito maior  embora algumas estratégias didáticas funcionem em ambos níveis, o público é outro, os meios são outros, os objetivos são outros.

Tenho pra mim que aula sem interação com os estudantes não é aula. Não digo que não podemos aprender sem tal, mas a participação dos alunos (mesmo que mínima) talvez seja o diferencial para uma aula ser tediosa ou não. Ora, se o objetivo é a aprendizagem dos alunos, não faz sentido um professor ficar só falando para si mesmo. Portanto, tomei tal tática nessa aula, e felizmente vi uma turma com vários alunos participando ativamente com questões e exemplos, praticamente todos eles extremamente focados, interessados e atentos em cada explicação da aula (tem que saber lidar com a situação, pois não pode ser só uma coisa ou outra, é uma verdadeira arte lidar simultaneamente com questões, a exposição das matérias e o andamento/tempo de aula). Minha aula foi com bastante ilustrações no quadro (como foi no CAD, quadro de pincel facilita a vida, rs), e ainda passei um vídeo para eles refletirem nas polêmicas da ética prática ("Solitário anônimo", pra quem tiver interesse, tem o vídeo no Youtube).

O tema da minha aula foi: "Como pensar a justiça e a ética?". Para tal, tomei os livros de um dos professores de filosofia mais famosos da atualidade, Michael J. Sandel, da Universidade Harvard, eles foram: "Justiça, o que é fazer a coisa certa" (Best seller do autor) e "O que o dinheiro não compra". No primeiro livro a discussão gira em torno das modalidades de Estado democrático, são elas: 1-Libertária, 2- Liberal igualitária, 3- Comunitária; o autor tem uma linguagem muito acessível e resume no livro a filosofia moral de Kant, Rawls e Aristóteles, trata ainda do Utilitarismo a partir de J. Bentham, e discute com um outro filósofo contemporâneo, Nozick (liberal). Tanto no primeiro quanto no segundo livro, Sandel traz questões do cotidiano, exemplos famosos e casos curiosos para ilustrar e discutir qual seria a coisa certa a se fazer, qual seria a melhor ideologia de Estado, quais os prós e os contras de cada um. Os exemplos de Sandel prende qualquer platéia, são realmente muito interessantes, esse é o diferencial dele. (Um dos cursos Justiça do Sandel está disponível no site: www.justiceharvard.org/‎ ).

Eu deixei claro qual é a posição que concordo, a saber, a Liberal igualitária, principalmente quando expliquei a filosofia de Rawls, interagindo com todos eles para mostrar o que seria o "véu de ignorância" do último, e como se faz justiça a partir dos princípios kantianos de universalização. Contudo, não deixei de mostrar os pontos que um comunitarista pode ganhar; o próprio Sandel foi considerado um defensor do estado comunitário, embora ele tenha dito que não gosta de ser taxado tão somente assim, pois compartilha muitos pontos do pensamento de Rawls (liberal igualitário).

Bom, o objetivo aqui não é fazer um resumo da aula, mas narrar a minha experiência. Foi muito bom ver como os exemplos do livro e outros despertaram a curiosidade dos alunos. Trago apenas mais um ponto da aula, exemplo muito bom que os fizeram perceber a importância da filosofia moral kantiana hoje, fazendo frente à posição utilitarista: foi quando falei do filme "Minority Report" do Steven Spielberg, onde, em suma, um ser humano é usado como meio para a felicidade de todos - esse exemplo resumiu horas de explicação sobre as falhas de uma posição utilitarista.

A turma se sentiu muito à vontade, e é muito bom saber que consegui despertar tal clima, penso eu, como introduzido no início do texto, essencial para qualquer aula. Muito legal ver a galera pedindo informações no final, trazendo dúvidas, curiosidades, dizendo que vai comprar os livros do Sandel (apesar de eu não ganhar porcentagens nas vendas, rs), perguntando sobre o Departamento de Filosofia e professores de ética, pegando meu e-mail e etc; destaco dois alunos que me disseram que a aula foi muito boa, literalmente me pediram pra dar mais aulas pra eles, foi muito gratificante. Muito bacana ter conseguido levá-los à uma reflexão essencial. O próprio professor Joãosinho que estava ali para me avaliar em relação à disciplina "Iniciação à docência", disse que gostou muito da aula.

Enfim, foi uma experiência ao mesmo tempo produtiva e muito legal! Aproveito o espaço para agradecer a todos os professores da UFMG que contribuíram para minha formação (além de, claro, os professores do meu ensino básico na E.E. Ondina Amaral Brandão e na E.E. Caminho à Luz, e os professores que acompanhei nos estágios), destaco as professoras da Faculdade de Educação (FAE), Suzana S. Gomes, Maria Cristina Gouvea, Savana Diniz, Maria Tereza e Maria Amália, que tem a tarefa de nos ensinar ser professores e lidam com muitos imbecis que desvalorizam tais disciplinas. De outros departamentos destaco os professores da Faculdade de Letras (FALE) Jacyntho L. Brandão e Antônio Orlando; do Departamento de História a Adriane Vidal, excelente professora, fiz com ela uma disciplina que sem dúvidas marcou minha trajetória, "Revolução e Socialismo na América Latina"; do Departamento de Antropologia a Ana Flávia; do Departamento de Física o Renato Las Casas e o Carlos Heitor; e do Departamento de Ciências Biológicas, o Anderson Miyoshi. Não vou citar nomes do Departamento de Filosofia porque são muitos e posso esquecer alguém, mas quero dizer que me espelho em muitos de vocês, de tal forma que aqueles que merecem tal elogio sabem por outros gestos, e não preciso dizer aqui. Obrigado.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Quem gosta de filme, não vai ao cinema

Hoje foi a gota d'água, assino o atestado de óbito do cinema.

Antigamente ir ao cinema era algo valorizado, marcante, hoje todos sabemos que isso se perdeu, desde que qualquer shopping passou a ter um. Mas não escrevo por saudosismo; mas para destacar e criticar a imensa e indescritível falta de educação, trato e bom senso de muitos frequentadores.

Já há algum tempo tenho ido muito pouco ao cinema, devido ao óbvio: conversas, barulho de gente mastigando intermináveis sacos de pipoca (mesmo nos filmes mais dramáticos e nas cenas mais fortes – não consigo conceber como isso é possível pra alguém que tem um cérebro dentro da cabeça), chupando litros refrigerante pelo canudinho, discutindo todo tipo de merda, contando o filme (spoilers), levantando durante o mesmo, chegando atrasado e tampando sua frente, sem contar os inúmeros odores, etc. Isso tanto em cinemas de shoppings populares ou nobres, embora nos últimos a merda seja um pouco menos gritante.

Com o advento da propagação do celular e dos preços reduzidos nas ligações, a falta de educação se mostrou também via esses aparelhos (não estou condenando uma classe social, vemos isso tanto por parte de pobres como de ricos). Perdi a conta de quantas vezes ouvi celular tocar durante o filme, não obstante os "agressivos" avisos para desligar o aparelho – o que diga de passagem, nem precisava pedir para gente civilizada; e no mais das vezes, quando tocava, o infeliz dono do trambolho, ao invés de ficar todo sem graça e enfiar o telefone no cú, atendia na maior cara de pau!

Enfim, das últimas vezes não aguentei algumas situações, cito duas delas para ilustrar: 1ª - fui assistir o último Harry Potter – calma, ninguém contou o final, se fosse o caso, com certeza derramaria sangue, rs... –, tinha um palhaço querendo aparecer a qualquer custo, fazendo uma gracinha atrás da outra pra todos ouvirem, tentei manter a calma, sério, mas no bilionésimo relincho gritado que o sujeito soltou perdi a paciência, mandei o cara pra puta que o pariu, criando um clima tenso no cinema, se saíssemos nas vias de fato o que não faltaria seria gente pra linchar o mané, embora muitos outros estivessem conversando alto e rindo como se estivessem em casa. 2ª - Outro caso foi quando assisti "Wolverine Imortal"; fui na sessão de pré-estréia (pelo menos evitaria que alguém contasse o final do filme), num cinema nobre, começando 00:00. Pensei eu que estariam presentes só fãs do filme (e não meros devoradores compulsivos de pipoca), mas muitos estavam ali não sei pra quê (detalhe, pagando caro, né); confesso que a bagunça foi bem menor do que de costume, mas não deixou de ter os mesmos inconvenientes (ora, estamos no Brasil!). Fora os incômodos clássicos, dei azar de ter um casalzinho fdp do meu lado, a menina não fazia a menor ideia de quem era o Wolverine ou os X-men, fingindo interesse, ela perguntava o babaca alguma coisa praticamente todas as cenas do filme (metade delas as mesmas questões), e ele, um nerd ordinário, explicava todos os detalhes até ela dormir. Essa conversa foi ficando cada vez num tom mais alto, cada vez mais irritante, e quando ele começou a ler em voz alta a legenda pra ela (é isso mesmo que você leu!), de novo apelei - até Gandhi teria feito o mesmo no meu lugar dessa vez -, o cara se mijou todo e ficou por isso mesmo.

Finalmente, o que me levou a decretar o óbito do cinema: o filme "12 Anos de Escravidão" já está um bom tempo em cartaz, vi que tinha uma sessão à tarde num shopping que não costuma encher, não é um filme voltado pra cultura de massa, não atrai aborrecentes, vai concorrer a vários oscars e, como curto paca ver a cerimônia de premiação, animei de ir. Doce ilusão. O único lado positivo foi que o filme é excelente, pois a experiência de vê-lo foi muito prejudicada pelo desrespeito, incapacidade ética e falta de educação crônica que se vê no Brasil. Ainda não havia comparecido ao cinema depois que os smartphones, androids, tablets e cia viraram febre, estava parecendo o show do U2 quando o Bono pede para apagar a luz e todos ligar o celular! Antes do caso mais grosseiro, quero destacar outro que não pode passar batido: havia um casal cinquentão falando alto como se estivessem deitados na cama vendo uma novela da vida, mesmo pessoas de mais experiência sem qualquer consideração aos outros. Bom, vamos ao fato consumatório: havia ao meu lado um troglodita acefálico com uma jumenta falante usando uma daquelas telhas "Ai-sei-lá-o-quê" acesas o tempo todo, parecendo o farol do Batman, foi simplesmente o CÚMULO no que diz respeito a ficar conectado à internet o tempo todo, DENTRO DO CINEMA! Não sei se você capitou bem, a jumenta ficou o filme todo no Facebook, vou repetir, o filme todo no FACEBOOK! Pagar R$ 20,00 (certamente ela não paga meia-entrada, não deve se quer saber o que significa a palavra estudante) pra usar o Facebook e afins durante o filme, alguém consegue pensar em algo mais estúpido? Eu não. Se esse "ser que faz a gente se envergonhar por ser da mesma espécie que ela" tivesse sentado no fundo da sala, vidrada naquele farol a cegando, que se dane, defendo o direito dela ser idiota, mas ela estava no centro do cinema! E não pára por aí, aquela telha começou a tocar, e adivinha, claro, ela atendeu e começou a falar como se estivesse em um boteco da vida! Eu a olhei com um olhar tipo "é sério que existe um ser tão viu, desprezível, baixo e medíocre como você?", até o troglodita sentiu vergonha de estar com aquele estrupício ao lado, frente à minha expressa desaprovação, quando ela minimamente se tocou e disse para a amiga de fofoca que ligaria depois.

Tentei ser estóico e me concentrar no filme, felizmente tive êxito na maior parte; mas algumas vezes me passou pela cabeça o que leva alguém a ficar com uma mulher daquela, aguentar a presença dela ao lado por uma hora que seja, mesmo que ela fosse muito gata (o que não era o caso), imaginando o grau de demência que alguém tem que ter para tal. A resposta veio ao final do filme: o sujeito levanta e simplesmente esquece a carteira e a chave do carro na poltrona, saiu como se estivesse tudo normal, deu sorte que a jumenta percebeu a tempo e voltou correndo. Esquecer pertences é um fato normal que pode acontecer com qualquer um? Sim. Mas devido as circunstâncias, tal se tornou uma grande evidência para corroborar a minha hipótese, qual seja, jumento e jumenta formam um belo par!

Alguns de vocês podem interpretar tais como fatos isolados, mas infelizmente não se trata disso. Destaco esses casos, mas basta ir ao cinema em qualquer dia ou horário pra ter mais um pra contar, no mínimo você terá as encheções de saco típicas e corriqueiras já descritas acima. E não faz mais sentido ir ao cinema pela imagem, as TVs de hoje dão de 10 a 0 naquela imagem meia-boca. Vale ainda destacar a péssima legenda branca sem contorno nas letras que literalmente somem em cenas claras (se não soubesse inglês, de boa que já teria parado de frequentar por isso). Não é nem mesmo um bom lugar pra levar alguém que você quer ficar, apenas mostra a sua falta de criatividade.

Em suma, devido à falta de educação, modos, gentileza e civilização alheia, quem gosta de filme não vai aos cinemas. Por essas e outras não podemos achar ruim quando vemos um gringo de país de primeiro mundo falando mal do comportamento animalesco brasileiro.